Ilustração: Vinícius Figueiredo
(Por José Carlos Freire)
De repente me pego em 15 de novembro. O feriado permite um relaxamento. Mas não é só isso: as eleições passaram e Bolsonaro foi derrotado. A dança que fazíamos à beira do abismo foi interrompida. Até as condições do tempo estão mais amenas, com sol moderado e chuva leve. Um alívio geral corta o país, alastrando-se do Nordeste para as demais regiões.
Depois de alguns dias longe do noticiário vou aos canais de informação. Duas semanas é um tempo razoável para um balanço de como vão as coisas. A primeira que observo é que aquele clima agressivo que se percebia nos meses que antecederam as eleições cede lugar agora a um mínimo de civilidade. Os analistas já tratam de discutir nomes para os cargos, linha econômica a ser seguida pelo novo governo, essas coisas de um país mais ou menos normal, algo que não se via há quase quatro anos.
A propósito, um dos cargos me interessa de modo especial: a Defesa, ministério que, após o fim da ditadura, foi criado como marco de controle civil sobre as Forças Armadas. Porém, desde o Governo Temer, aquele da ponte para o passado, a pasta é comandada por generais. As Forças agora, de modo surpreendente, mas compreensível, afinal estamos no Brasil, reajustaram seus interesses e apoiam a nomeação de um civil. Nomes já são ventilados pelos editorialistas dos grandes jornais que, aliás, também parecem mais civilizados.
Passo a ler sobre o Congresso, cuja nova composição causou espanto, para dizer o mínimo, a todos que votaram contra Bolsonaro. E não é que até ali as coisas parecem mais no eixo?! Não é o paraíso, afinal, se fosse não seria o Congresso. Mas começam a se articular as forças políticas para o novo ciclo, com esperança de que até uma direita democrática ressurja das cinzas depois do vendaval que promoveu considerável número de figuras alinhadas ao atual presidente para a Casa Legislativa.
Esse percurso pelas notícias me dá a impressão de algo fundamental: haverá governo, haverá sanidade novamente em Brasília. Tudo indica que teremos o sistema de saúde mantido e reorganizado, inclusive com um ministro que saiba o que é o SUS; haverá verba para as Universidades e Institutos Federais com algum ministro que saiba onde está, bem como o suporte para a educação nos estados e municípios; os órgãos de fiscalização serão recompostos com profissionais adequados; numa palavra: respiraremos algo parecido com um país decente. Nada de grandioso, apenas o mínimo. Mas numa nação que foi destroçada o mínimo é muito.
Vou às páginas sobre economia. Como não poderia ser diferente, a disputa é ferrenha entre os que querem lucrar muito e os que preferem lucrar mais ainda. Não será nada fácil garantir as tais três refeições aos pobres prometidas por Lula na campanha, tampouco a geração de emprego. A valorização do salário mínimo será um embate fortíssimo. Mas não se tem tudo de uma vez. Vamos devagar.
A imagem positiva que tenho no passeio pela mídia coincide com o clima também mais tranquilo que observei nos dois últimos dias andando pelas ruas da cidade. Até alguns cristãos que há pouco pareciam mais cavaleiros medievais da inquisição agora voltaram ao seu juízo e até se recordam que devem amar o próximo. Devem ter saído do zap e voltado a ler – corretamente – a Bíblia. Parece até que certos pastores que estiveram na vanguarda da campanha eleitoral vão novamente pensar mais em Deus que no presidente, mais no evangelho que em seus ganhos financeiros. Afinal, milagres acontecem.
Até os símbolos nacionais retomaram seu sentido! Se há algum deles nos carros ou nas casas isso se deve à copa do mundo que se aproxima e não mais à campanha derrotada. Penso até em tirar da gaveta a velha camisa da seleção que agora poderei usar sem constrangimento, pois nem ela e nem a bandeira estão mais sequestradas por forças políticas que pretendiam destruir o país se dizendo patriotas.
Numa última busca de notícias, passo a me informar sobre o presidente que anda sumido, não tanto quanto Ciro Gomes, é claro. Para espanto geral, o chefe do Executivo demonstra-se aberto à transição para o novo governo. Aqueles arroubos que havia antes da eleição com questionamento do resultado se reduziram a pontuais manifestações de alguns apoiadores depois da apuração. O presidente parece agora mais preocupado com sua vida após janeiro. Já fala até em disputar novo mandato no legislativo em 2024. Não duvido. Somos especialistas em impunidade e memória não é uma das maiores virtudes nacionais.
É curioso como fazia tempo que um 15 de novembro não se passava de forma tão leve… Tanto, tanto que cismo de me perguntar se não estou sonhando, quem sabe numa “crise de esperança”, essa que ataca em momentos de ansiedade e medo generalizado. Esse movimento é fatal: a dúvida acaba por desmanchar minha fantasia, como um castelo de cartas que desmorona.
Retomo a realidade. Percebo que ainda faltam alguns dias para o segundo turno. Um calafrio me atravessa. Não quero nem pensar no que seria o oposto daquele futuro que agora há pouco imaginei. Vou à janela. O tempo mudou. Vento forte, nuvens carregadas. Vem tempestade aí.
Respiro fundo. Repasso de cabeça nomes de pessoas com quem ainda há condições de diálogo na reta final. Cada voto é um voto. Por precaução, separo o título de eleitor e já o deixo sobre a mesa, para não ter risco de esquecer. Conferir a previsão do tempo, torcer para que não chova domingo. Ouvir uma música que acalme. Seguir em frente!
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