(Mesmo com o fim de um relacionamento, é possível manter vínculos afetivos.Foto: Acir Galvão)
(Por ALEX BESSAS, Jornal O Tempo)
Quando rompeu com a sua primeira namorada, depois de cinco anos de relação, Arthur, 30, se esforçou em manter a amizade da ex e a dos familiares dela. “Mas, infelizmente, apesar de a intenção ser nobre, a execução foi sofrível”, reconhece o especialista em comunicação, que preferiu ser identificado apenas pelo primeiro nome.
“Eu sabia que nossa história era muito bonita, uma jornada de descoberta, mas que tinha chegado ao fim. Terminamos bem um com o outro, sem briga e sem traição. Só que, naquele momento, estávamos buscando coisas diferentes, e, além disso, o namoro tinha virado apenas amizade”, relata.
“O problema é que nenhum de nós tinha maturidade suficiente para lidar com a presença do outro e lidar bem com aquilo, sem ciúmes ou sem ceder ao desejo de tentar de novo. Por isso, como eu continuava convidado para a macarronada de domingo na casa da ex-sogra, todo mundo seguia alimentando a esperança de que voltássemos. E isso nos deixou paralisados”, admite.
Hoje amigos, Arthur e a ex-namorada viram o término se arrastar por nada menos que três anos, entre idas e vindas, até que chegassem finalmente ao ponto final. Apesar de acreditarem que esse processo de separação se arrastou para além do ideal, eles orgulham-se de ter conseguido construir uma relação saudável após o fim do enlace.
O desfecho pode intrigar aqueles que defendem que, quando um relacionamento chega ao fim, a amizade com a família da ex-parceria também deve acabar. “O tempo todo mantivemos contato com nossas famílias. Até hoje, sou um grande amigo do meu ex-cunhado. Sei que, mesmo com minha ex namorando outro rapaz, na casa dos meus ex-sogros, tem fotos minhas nos porta-retratos”, comenta o comunicador.
Roteiro comum
A história do casal segue um roteiro um tanto comum, como explica a psicóloga clínica Leni de Oliveira, coordenadora do Núcleo de Psicologia Seu Lugar. Ela expõe que, se o término foi maduro e o sujeito elaborou a conclusão daquele ciclo, nada impede que continue se relacionando com a família de sua ex-parceria. Afinal, esses vínculos podem perseverar para além do período que durou o enlace amoroso. Contudo, Leni aponta que apenas uma minoria de histórias tem desfecho tão positivo. “Conheço alguns exemplos de casos assim, mas são exceções”, indica.
A exemplo de Arthur e da ex-namorada dele, a psicóloga pondera que, em um primeiro momento, é realmente comum haver o desejo de manter essa convivência, afinal, se afastar abruptamente pode ser doloroso. O problema é que, como no caso dos dois, essa proximidade acaba implicando insistência em uma história que não funciona mais. “Se a pessoa terminou, mas não está completamente decidida, de forma que essa relação continua em aberto, a proximidade acaba ampliando essa confusão. Nesses casos, o desejo de continuar amigo pode, na verdade, esconder a expectativa de uma chance de retorno”, analisa.
Outra questão é que essa proximidade pode estar associada à dificuldade de recomeçar. “Este é um fenômeno típico entre os ‘millennials’ (nascidos entre o início dos anos 80 e o fim do século XX) e que leva ao chamado ‘relacionamento estepe’, quando há o término, mas é mantida aquela amizade colorida”, explica Leni. “Noto que, hoje, os papéis não estão tão claros, e isso tem gerado certa confusão. Sem saber muito bem como iniciar um novo relacionamento, essas pessoas começam a demonstrar dificuldade de se aproximar de outras pessoas, ficando presa à sua ex-parceria, mesmo que não oficialmente. É como se o indivíduo não se esforçasse para encontrar um novo alguém, porque tem aquele outro disponível”, comenta.
Há uma terceira situação que pode evidenciar que a manutenção da amizade com a família da ex-parceria se tornou problemática: quando são os familiares que não aceitam bem o fim do namoro ou do casamento e tentam manter o outro por perto. “Em geral, isso acontece em ambientes em que as dinâmicas familiares não são muito funcionais. Normalmente, esses pais já estão habituados a forçar seus filhos a cederem a suas vontades e continuam reproduzindo esse comportamento”, avalia.
Rivalidade e ressentimentos
Do outro lado da questão, Leni de Oliveira é crítica da mentalidade de que seria impossível a manutenção dos vínculos entre as pessoas após o fim de uma relação em que elas estavam engajadas.
“Culturalmente, acreditamos que só devemos pôr fim a uma história quando algo de ruim acontece. São raros os casos em que as pessoas entendem que já não funcionam como parceiros afetivos e, mesmo se dando bem como amigos, decidem terminar. Por isso, por esperar que algo desagradável aconteça, o vínculo com os familiares também fica ameaçado, pois, nesse contexto, há a tendência de haver manifestações de ressentimento de todas as partes”, situa.
A psicóloga sublinha que o afastamento pode ser um problema especialmente no caso da presença de filhos. “A criança acaba ficando prejudicada por causa desse distanciamento, principalmente se tiver havido traços de rivalidade entre as pessoas”, alerta.
Separados e felizes
“Partindo da perspectiva de que as pessoas vivam um relacionamento saudável, em que cada pessoa tem máxima autonomia sobre seus desejos, acredito, sim, ser possível que, após o término, não haja problema nenhum em que as partes continuem frequentando a casa dos familiares uma da outra e mantenham vínculos de amizade. Mas, para que isso aconteça, é importante que os dois terminem por inteiro, saiam inteiros dessa relação, conscientes de que aquele ciclo se encerrou”, salienta Leni de Oliveira, assinalando que, para alguns, o tempo de elaboração do término pode ser mais longo, enquanto, para outros, ser mais breve.
Fonte:otempo.com.br