(Pe. Elizeu Hilário de Souza)
“Bem aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5,9). Aonde lemos “promovem” é, na verdade, uma tradução do verbo fazer (poiéu), em grego. Jesus certamente quis ensinar que a paz é algo a ser feito, construído, quase como uma obra artesanal, feita com as mãos, o que exige delicadeza, dedicação e determinação. A tradução mais aproximada seria então “os artesãos”, “os construtores” ou “os fazedores da paz”. São aqueles e aquelas que se reconhecem filhos e filhas do Deus da paz e, com boa vontade, se engajam no projeto divino de tornar este mundo verdadeira casa onde o Pai habita com a humanidade que Ele criou com tanto amor e carinho.
Como filhos e filhas do Deus da paz, somos desafiados a comparecer cada dia para esta tarefa, com a mesma disposição e a mesma esperança, sobretudo neste tempo em que se torna fácil, para alguns, comprar um fuzil, mas, para outros, está difícil comprar um quilo de feijão; nesta dura realidade brasileira em que a escalada de ódio e violência está tomando proporção cada vez mais estarrecedora, como nos mostra o Atlas da Violência 2021, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) – fundação pública vinculada ao Ministério da Economia. Brevemente, vejamos alguns dados:
Diante disso, diz o Atlas da Violência: “causam preocupação as mudanças recentes na legislação de controle de armas, como os mais de 30 decretos e atos normativos presidenciais publicados desde janeiro de 2019.” E chama a atenção para a necessidade de reavaliar o quanto antes “a política permissiva em relação às armas de fogo e à munição patrocinada pelo Governo Federal a partir de 2019. Ao facilitar o acesso a tais armas, a nova regulação pode favorecer a ocorrência de crimes, facilitar o acesso das mesmas a criminosos e impossibilitar o rastreamento de munições encontradas nos locais dos crimes. Trata-se de uma política cujos efeitos perdurarão por décadas, período em que essas armas permanecerão em condições de uso e continuarão em circulação. (…) Quanto mais armas disponíveis e em circulação, maior a probabilidade de crimes. (…) Foram 47.742 mortes violentas intencionais em 2019 e 50.033 em 2020.”
Sabemos que o problema da violência tem causas diversas e requer uma análise abrangente, mas aqui faz-se oportuno perguntar: além dos fabricantes de armas, a quem mais interessa a violência? E então deparamos com grupos políticos conservadores da extrema direita, gente poderosa que justifica a política armamentista com o argumento de que as “pessoas de bem” têm o direito de se defenderem da onda de criminalidade.
Aliadas a estes, pessoas incapazes de perceber as raízes mais profundas dos males sociais, dos danos humanitários e ecológicos, gerados pelos interesses das grandes potências econômicas mundiais, pela ganância insaciável de quem não sabe mais o que fazer com tanta riqueza e pelo sistema perverso que os acoberta.
Ressoa neste ambiente, por exemplo, o apelo para a aplicação de medidas de segurança e penas mais severas para punir bandidos, sem mencionar sequer – por serem “de boas famílias” -, os que alimentam o tráfico e, portanto, também culpados pela violência.
Vivenciar a bem-aventurança de construir ou fazer a paz neste contexto, é tarefa custosa. É missão que tem seu começo em nós mesmos, no coração que deve ser purificado de preconceito e intolerância, sentimentos de ódio e desejo de vingança, para dar lugar ao diálogo e ao perdão.
Sejamos identificados como discípulos e discípulas d’Aquele que, mesmo tendo sofrido injúrias e ameaças durante toda a vida, mesmo tendo sido torturado e depois cruelmente assassinado numa cruz – vítima do ódio e da violência de “pessoas do bem” -, na agonia do último suspiro, pediu perdão para os seus algozes e, quando apareceu ressuscitado, sua primeira saudação foi “A paz esteja convosco!”.
Que o Espírito do nosso Mestre e Senhor nos preserve “do fermento dos fariseus e do fermento de Herodes” (Mc 8,15), nos proteja “da maldade de gente boa e da bondade da pessoa ruim” (Chico César)! Que Deus nos ajude a ajudá-Lo a construir o Reino do amor e da paz!