(Por Pe. Elizeu Hilário de Souza)
(Foto:Reprodução/Catequeseblogspo)
Um número cada vez maior de pessoas está lendo a Bíblia. Por um lado, devemos dar graças a Deus, afinal sua Palavra se tornou mais divulgada e mais conhecida, sinal de que o acesso ao livro sagrado foi facilitado, tanto para adquiri-lo, estudá-lo ou simplesmente meditá-lo. Isto deveria significar também o interesse de escutar o que o Senhor nos diz, na nossa vida, através da Escritura Sagrada. Mas nem sempre o ato de ler significa disposição para escutar. Por ser Palavra de Deus, muitas vezes falta ao leitor ou ao ouvinte a devida atenção ao texto bíblico. O resultado disso é uma compreensão superficial ou distorcida da Palavra. E se não escutamos bem, como podemos entender? E se não entendemos, como podemos ser fieis na prática? E se não praticamos, como podemos dizer que temos fé?
Nota-se que a questão está na interpretação do texto bíblico, muitas vezes intencional, premeditada, submetendo a Palavra de Deus a interesses ou a conveniências pessoais ou de grupos. A “livre interpretação” acaba favorecendo a manipulação do texto sagrado. Algumas leituras chegam a mudar completamente o sentido do texto e confunde as pessoas. Por exemplo, existe alguma diferença entre dizer: “Eu vim para que todos tenham vida, e vida em abundância” (Jo 10,10) e “Eu vim para que todos tenham vida, e vida com abundância”? Uma ligeira diferença que muda totalmente o sentido da mensagem. O que está por trás deste “com”? Que autoridade alguém pode ter para torcer e distorcer o texto bíblico e fazê-lo dizer o que lhe convém?
Outra prática desrespeitosa para com as Sagradas Escrituras é aquela de quem abre a Bíblia ao acaso em busca de resposta para algum problema, dizendo: “Deixa eu ver o que Deus tem pra me dizer hoje (ou nesta situação que estou vivendo)”. Neste caso, a Bíblia é tratada como se fosse um jogo de cartas de baralho ou de búzios; a Palavra de Deus vira “palavra da sorte”. Ligada a esta prática, também encontramos a tentativa de fazer da Bíblia um livro de autoajuda, utilizando-se de textos selecionados para reforçar o “poder do pensamento positivo” ou simplesmente gerar um certo conforto espiritual.
Ao lado de atitudes como estas, encontramos outra ainda mais frequente e que merece uma avaliação crítica: a leitura fundamentalista da Bíblia, aquela em que o texto bíblico é tomado ao pé da letra. O fundamentalista diz: “se está na Bíblia é porque aconteceu mesmo, e do jeito que está escrito”. É a atitude de quem quer “provar” tudo pela Bíblia. Decorrente da leitura fundamentalista, encontramos casos em que a Bíblia é usada como uma arma apontada para julgar, ameaçar, condenar ou colocar medo nos outros.
Algumas pessoas, por se sentirem donas da verdade e representantes da justiça divina, chegam a ficar intolerantes em relação a quem vive a sua fé de maneira diferente. Na verdade, quem age assim acaba revelando que se sente inseguro diante do mundo moderno, com sua
diversidade cultural e religiosa, cheio de novidades e de problemas. É por isso que o fundamentalista trata a Bíblia como um refúgio, onde todas as respostas já estariam prontas.
Nesta altura você já deve estar se perguntando: afinal, qual é a maneira mais fiel de se ler a Bíblia? Como evitar o fundamentalismo e a leitura superficial ou distorcida dos textos bíblicos? Como podemos nos aproximar da verdadeira mensagem da Bíblia? O que devo fazer para que a Palavra de Deus seja, de fato, “lâmpada para os meus pés e luz para o meu caminho”, hoje?
É a leitura em que a pessoa, antes de qualquer outra coisa, manifesta a disposição de escutar Deus. Por isso, em atitude orante, abre bem os ouvidos e o coração para acolher com amor a Palavra do seu Senhor. Quem sabe escutar, obedece mais.
É a leitura que leva ao compromisso com o projeto de Deus para a humanidade, a Aliança que, mais tarde, Jesus vai chamar de Reino de Deus, onde a vida deve ser bonita e plena para todos, baseada nas relações de justiça e fraternidade.
É a leitura que tem por objetivo iluminar a vida com seus altos e baixos, dando sempre a certeza de que Deus caminha com seu povo, com bondade e paciência, ajudando-nos a escrever a nossa história como verdadeira história de salvação.
É a leitura que faz da Bíblia um caminho para o diálogo e a construção de relações mais humanizadas, ajudando a superar preconceitos e polarizações. Melhor ainda se a leitura for feita em pequenos grupos.
É a leitura que nos dá a consciência de que a Bíblia é Palavra de Deus e não nossa. O que deve ressoar dentro do nosso coração e transparecer no nosso jeito de ser e viver é a Palavra divina. É preciso cuidar para não apresentar como Palavra de Deus o que é jeito humano de pensar.
É a leitura atenta do texto bíblico que leva em consideração o contexto (quando e onde o texto foi escrito) e o pretexto de quem escreveu (porque ou para que o texto foi escrito). Esta atitude nos leva a perceber que, por trás do texto bíblico (ou antes dele), tem uma comunidade que resistiu e testemunhou com fidelidade o projeto de Deus.
Enfim, é a leitura que tem como chave de interpretação das Escrituras a pessoa de Jesus de Nazaré, o Cristo, Mestre e Senhor, que não veio nos ensinar um conjunto de doutrinas e preceitos a fim de obtermos as graças divinas, mas nos propor um caminho, um estilo de vida, um jeito novo de viver, cultivando os valores do Reino e imitando o Pai na sua compaixão pelos que sofrem, vivendo em comunhão com Ele e participando desde agora da plenitude de Sua vida.
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